((o))eco - 8/12/14
No ano de 2013, quando me tornei conselheiro do Mosaico
Carioca de áreas Protegidas, comecei a refletir sobre a importância dos
mosaicos de áreas protegidas enquanto poderosas ferramentas para trazer os
conflitos socioambientais da região para o centro do debate, e transformar
estes debates em possíveis soluções. Esta perspectiva vem muito ao encontro de
minha atuação como educador ambiental no Instituto Moleque Mateiro.
Segundo Isabel Carvalho (MMA, 2004, 19):
"... sem reduzir as "educações ambientais",
nem desconhecer a disputa pelos sentidos atribuídos ao ambiental numa esfera de
relações em que há lutas de poder, a educação ambiental segue o traçado da ação
emancipatória no campo ambiental, encontrando na tematização dos conflitos e da
justiça ambientais um espaço para aspirações de cidadania que se constituem na
convergência entre as reivindicações sociais e ambientais."
Segundo a lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe
sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, um
Mosaico de Áreas Protegidas é
"um conjunto de unidades de conservação de categorias
diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas
protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto
deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus
distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da
biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento
sustentável no contexto regional."
Logo se observa em sua concepção teórica um campo para
debates e reivindicações de diversos atores sociais, pois visa compatibilizar a
preservação da biodiversidade com a preservação cultural e econômica da região
onde se encontra.
Se observarmos o decreto Nº 4.340, de 22 de agosto de 2002,
que regulamenta artigos da lei acima mencionada, veremos que os mosaicos têm,
entre outros, os atributos de propor diretrizes e ações para compatibilizar,
integrar e otimizar, as atividades desenvolvidas em cada unidade de conservação
e a relação com a população residente na área do mosaico.
Mosaicos integrados
A ferramenta formal de gestão dos mosaicos de áreas
protegidas é um conselho gestor, formado por diversos atores sociais de um
território amplo, em que se inserem diversas categorias de áreas protegidas
(não só UC) e que possuem diversos atores com vulnerabilidades ou conflitos
socioambientais, alguns em comum, outros dizendo respeito a apenas alguns
atores, mas todos afetando a área do mosaico. Trazer os conflitos para o centro
do debate e uma boa estratégia para achar as respostas mais adequadas para
soluciona-los.
Segundo Pisatto et al: (2012, 85)
"A educação ambiental direcionada à comunidade tem como
objetivo o desenvolvimento de atividades e práticas educativas ao longo de toda
a vida do indivíduo, que o sensibilize sobre as questões ambientais e as
consequências destas sobre a qualidade de vida da comunidade, constituindo um
processo permanente de formação, para que os indivíduos atuem como formadores
de opinião em suas comunidades."
"A educação ambiental direcionada à comunidade tem como
objetivo o desenvolvimento de atividades e práticas educativas ao longo de toda
a vida do indivíduo, que o sensibilize sobre as questões ambientais e as
consequências destas sobre a qualidade de vida da comunidade, constituindo um
processo permanente de formação, para que os indivíduos atuem como formadores
de opinião em suas comunidades."
Com isso a educação ambiental pode e deve ser uma ferramenta
de fortalecimento dos mosaicos, ao propor projetos e atividades de curto, médio
e longo prazo dentro da área de atuação de seu conselho gestor que, segundo o
mesmo decreto já citado tem "caráter consultivo e a função de atuar como
instância de gestão integrada das unidades de conservação que o compõem."
As trilhas de longo curso são um ótimo exemplo de ferramenta
de gestão territorial que podem se tornar palco de diversas ações de educação
ambiental. Segundo Loureiro, Azaziel e Franca, 2007: "O mais importante na
administração de UC é que o conjunto da sociedade possa ter benefícios com
elas e meios para fiscalizar e decidir sobre seu uso, num planejamento
participativo de fato, e não apenas de direito." Uma trilha de longo curso
vem auxiliar exatamente por ser um elemento "tangível" do território,
em que todos conseguem perceber os seus benefícios e atuar junto ao Mosaico
para que estes sejam efetivados e potencializados.
As Trilhas de Longo Curso como Elemento de Fortalecimento do
Mosaico
Ao se pensar em educação ambiental como ferramenta para o
fortalecimento de mosaicos, as trilhas de longo curso são uma possível
estratégia de união de todas as UC do Mosaico e de emponderamento e
fortalecimento dos atores sociais envolvidos nas mesmas.
Ao fazer uma trilha que pode chegar a milhares de
quilômetros, passando por diversas UC, conseguimos que seus gestores pensem
juntos em estratégias de uso público nas mesmas e dessa maneira o debate sobre
estas estratégias perpasse para o conselho, que obrigatoriamente tem
representatividade de lideranças das comunidades do entorno do mosaico. Assim
unimos a participação comunitária e a articulação institucional através de um
projeto que fortalece a pesquisa, a educação ambiental, a geração de renda e a
construção de um relacionamento saudável com as comunidades e as UC integrantes
do mosaico.
Segundo Ernesto Viveiros de Castro, atual gestor do Parque
Nacional da Tijuca:
"Entre as diversas iniciativas internacionais que
buscam viabilizar a conexão entre áreas protegidas, uma se destaca pelo
envolvimento da sociedade e resultados concretos de proteção e recuperação de
corredores: são as trilhas de longo curso. Às vezes com milhares de
quilômetros, essas trilhas permitem que uma pessoa percorra a pé grandes
trechos em ambiente natural, conectando diversas áreas protegidas e
conquistando milhares de parceiros para os esforços de conservação."
(Castro,2014).
Em uma trilha de longo curso conseguimos, de maneira
democrática trazer recursos para a região, priorizando o fortalecimento da
economia local. A partir do aumento do turismo, podemos aumentar a pressão
popular pela conexão de áreas desconectadas, fortalecendo assim os corredores
ecológicos e auxiliar a fiscalização das UC presentes no mosaico pelos próprios
visitantes desta trilha.
A trilha como UC
Este é um ponto importante de ser citado: No decreto nº
4.340, de 22 de agosto de 2002, ele afirma, no seu artigo 11, que "os
corredores ecológicos, reconhecidos em ato do Ministério do Meio Ambiente,
integram os mosaicos para fins de sua gestão." Logo, no caso de UC
desconectadas, podemos pensar na trilha de longo curso como uma UC específica,
na categoria de um corredor ecológico, com governança própria e sobrepondo e
conectando as UC do mosaico e sendo parte deste como as outras UC.
A partir desta perspectiva, uma trilha pode cruzar uma área
inicialmente sem UC, priorizando áreas protegidas, e tornando-se ela própria
uma UC, com sua legislação, governança e plano de manejo próprio, respeitando,
claro, as superposições com outras UC.
Nos Estados Unidos, onde diversas trilhas como esta já
existem, elas foram consideradas, em 1968, uma categoria de área protegidas
regida pelo decreto National Trail System Act. Este sistema prevê a
possibilidade de 4 diferentes trilhas: históricas, recreativas, cênicas e de conectividade
entre outras trilhas de longo curso. Em Portugal temos o exemplo da Rota
Vicentina, que, segundo Marta Cabral
"Em estreita parceria com as entidades públicas do
ambiente, do turismo e de gestão local, a trilha de longo curso "Rota
Vicentina" foi lançada em 2012; é ainda um projeto recente e em plena
afirmação, mas já com a certeza de que veio para ficar. Hoje reúne mais de 100
micro-empresas familiares numa rede de trabalho que pretende afirmar o Sudoeste
de Portugal como destino internacional de turismo de natureza, garantindo a sua
sustentabilidade econômica, social, cultural e, sobretudo, ambiental."
Portanto, a elaboração de possíveis ações de educação
ambiental que visem o empoderamento dos diversos atores sociais presentes na
área de um mosaico de áreas protegidas, para que os mesmos sejam presenças
atuantes nas decisões políticas e econômicas que afetam a todos é um caminho
possível para almejar o fortalecimento econômico e cultural das comunidades e
municípios. Uma trilha de longo curso vem fortalecer este movimento ao permitir
um olhar geral sobre o território do mosaico, para além das UC, e o
envolvimento direto e efetivo dos diversos atores sociais presentes em sua
área.
*Francisco Schnoor é diretor do Instituto Moleque Mateiro de
Educação Ambiental.
Fonte: http://www.oeco.org.br/convidados/28820-o-papel-das-trilhas-de-longo-curso-na-gestao-de-ucs
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